sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ainda a judicialização - Do informativo de jurisprudência do STJ "FORNECIMENTO. MEDICAMENTOS. CHAMAMENTO. PROCESSO. UNIÃO"

Do informativo de jurisprudência do STJ -Supremo Tribunal de Justiça , do dia 15/02/12, da Segunda Turma:
"FORNECIMENTO. MEDICAMENTOS. CHAMAMENTO. PROCESSO. UNIÃO.
A questão versa sobre a possibilidade de chamamento ao processo da União nos termos do art. 77, III, do CPC. No entanto, é pacífico no STJ o entendimento de que o chamamento ao processo não é adequado às ações que tratam de fornecimento de medicamentos. Isso porque tal hipótese, prevista no dispositivo legal mencionado, é típica de obrigações solidárias de pagar quantia. Tratando-se de hipótese excepcional de formação de litisconsórcio passivo facultativo, promovida pelo demandado, não se admite interpretação extensiva para alcançar prestação de entrega de coisa certa. O Min. Relator também destacou recente julgado do STF cuja conclusão foi de que o chamamento ao processo da União por determinado estado-membro revela-se medida protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde do enfermo. Com essas e outras ponderações, a Turma deu provimento ao recurso. Precedentes citados do STF: AgRg no RE 607.381-SC, DJe 17/6/2011; do STJ: AgRg no AREsp 28.136-SC, DJe 17/10/2011; AgRg no AREsp 28.718-SC, DJe 30/9/2011; AgRg no REsp 1.249.125-SC, DJe 21/6/2011, e AgRg no Ag 1.331.775-SC, DJe 22/2/2011. REsp 1.009.947-SC, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 7/2/2012."

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O SUS e a relação saúde complementar X saúde suplementar


Tendo em vista a importância de enterdermos o SUS , a sua composição e funcionamento, publico logo abaixo mais algumas informações sobre o tema. Incluo um pequeno trecho de um artigo de minha autoria (CANUT, Letícia) , escrito em março/abril de 2011,  que está em processo de avaliação em uma Revista Jurídica, tendo recebido o título inicial " Uma breve introdução ao SUS para compreensão do direito à saúde no Brasil "
Seguem alguns trechos do texto que dicorrem sobre o SUS , saúde complementar e saúde suplementar:
"O SUS foi definido constitucionalmente no artigo 198 caput  e incisos I, II e III, como um sistema único que conforma uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços públicos de saúde a ser organizada sob um desenho descentralizado que permita a participação da comunidade para  cumprir o atendimento integral à população.

A lei orgânica da Saúde, lei 8080/90, também define o SUS. Em seu artigo 4º dispõe que o SUS consiste no “Conjunto de ações e serviços prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, [...]”.

Frente à permissão constitucional de participação do setor privado para a  prestação de assistência à saúde, “também são consideradas ações e serviços públicos de saúde, integrantes do SUS, aquelas executadas por instituições privadas nos termos do § 1º do art. 199 da Constituição. [...]”(AITH, 2007, p. 342; BRASIL, 2006, p. 57). Trata-se de atuação que configura o denominado setor complementar[1].  Nesse sentido, a lei 8080/90, após definir o SUS no artigo 4º, reafirma a permissão já efetuada pela Carta magna, dispondo no § 2º desse artigo que “A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde – SUS, em caráter complementar.”

Desta forma, o artigo 24, caput, da lei 8080/90, discorre sobre a possibilidade de participação do setor privado, de modo complementar no SUS “quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, [...]”. Dá-se preferência à participação de entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (BRASIL, 2007, p. 41; DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 96), em conformidade com o que dispõe o § 1º do artigo 199 da Constituição e artigo 25 da lei 8080/90. “Essa preferência é reforçada pela dicção do § 2º do art. 199 que proíbe a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.” (DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 96)

A formalização da participação privada no SUS dá-se, em conformidade com § 1º do artigo 199 da CF e do § único do artigo 24 da lei 8080/90, por meio de contratos ou convênios, de acordo com as normas de direito público.  Os convênios, nos casos de entidades filantrópicas, e os contratos, no caso de entidades lucrativas, são firmados com o gestor do SUS (estadual ou municipal). (BRASIL, 2007, p. 41)

O § 1º do artigo 199 prevê, que as entidades que participem do SUS de forma complementar deverão atuar segundo as diretrizes do sistema. O § 2º do artigo 26 da lei 8080/90 reforça essa previsão ao estabelecer que  “os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde-SUS, mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.”

Com tais previsões normativas, “[...] todas as pessoas jurídicas de direito privado que tiverem firmado contrato ou convênio com os órgãos e as entidades que compõem o SUS serão consideradas, para todos os fins, instituições do SUS[2].” (BRASIL, 2006, p. 69). Uma vez integrado ao SUS, “[...] submeter-se-ão a regulação, fiscalização, controle e avaliação do gestor público correspondente, conforme as atribuições estabelecidas nas respectivas condições de gestão.” (BRASIL, 2007, p. 41)

Ao dispor que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”, o caput do artigo 199 da Constituição permitiu não só a atuação de entidades privadas de forma complementar no SUS mas também a atuação da iniciativa privada fora do SUS, configurando o setor de saúde suplementar, por meio do qual muitos cidadãos buscam ações e serviços de saúde. Essa atuação é prevista nos artigos 20 a 23 da lei 8.080/90.

Desta forma, para  “[...] a iniciativa privada fora do SUS, existe um regime jurídico diverso[...]. Sem pretensão de se dedicar diretamente a esse tema, levantam-se apenas alguns pontos: a) a atuação da iniciativa privada na assistência à saúde deve ser controlada pelo Poder público em virtude do reconhecimento da relevância pública de tais ações pelo artigo 197 da Constituição Federal; b) a iniciativa privada pode prestar assistência à saúde em todos os níveis de complexidade – da atenção básica à média e alta complexidade; c) é proibida, em conformidade com o § 3º do artigo 199 da CF, “[...] a participação direta ou indireta e empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei [...]”;  d) Os planos privados de assistência à saúde são regulados pela  lei 9.656/98 e encontram-se sob a supervisão e controle  da Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS, criada pela lei 9.961/00 (DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 97); e) a “ANS é responsável pela normatização, pela fiscalização e pelo controle da atividade e todas as instituições jurídicas de direito privado que, de alguma forma, operam seguros e planos de saúde ou prestam ações e serviços privados de saúde e não possuem relação jurídica de natureza obrigacional com o Sistema Único de Saúde[3] [...]”.(BRASIL, 2006, p. 63, 64).

No que diz respeito aos Hospitais Universitários- HUs, de acordo com o artigo 45 da Lei 8.080/90, sua participação no SUS dar-se-á mediante convênio “[...] e não automaticamente como a princípio de [sic] depreende do texto do art.4º da Lei em comento.” (MAUÉS; SIMÕES, 2002, p.57)

    Dessas características gerais verifica-se que no Brasil “a oferta de serviços de saúde é feita pelo SUS e pelo mercado privado. [....]”(RODRIGUES, SANTOS; 2009, p.134). Tem-se  um Sistema Único de Saúde universalista – complementado pela iniciativa privada - ao lado da atuação do setor privado de forma suplementar.

Observa-se, então, que o Sistema de Saúde brasileiro – considerado em aspecto amplo -  organiza-se como um sistema de saúde misto, como ocorre em vários outros países. Isso significa que ele combina características de mais de um tipo de sistema saúde[4] e se reflete nas combinações feitas entre o sistema público universal e sistema privado, que atua fora do Sistema de saúde público. Sendo que, “[...] apesar da predominância do sistema público universal, há a atuação do setor privado (RODRIGUES, SANTOS; 2009, p. 16).

Assim, dedicando-se à análise do SUS, verifica-se que ele consiste no

                                      [...] arranjo institucional do Estado brasileiro que dá suporte à efetivação da política de saúde no Brasil, e traduz em ação os princípios e diretrizes desta política. Compreende um conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde, e aglutina o conjunto das organizações públicas de saúde existentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional, e ainda os serviços privados de saúde que o integram funcionalmente ´para a prestação de serviços aos usuários do sistema, de forma complementar, quando contratados ou conveniados para tal fim. (VASCONCELOS; PASCHE, 2008, p. 531)

Paim chama atenção ao fato de que o SUS pode ser analisado sob mais de uma perspectiva: como um sistema democrático aos moldes propostos pelo movimento sanitário; como um sistema formal-legal, conforme os preceitos constitucionais, legais e normativos em geral; um sistema à mercê de pressões econômicas do governo, da burocracia e do clientelismo; um sistema ‘para pobres’. (apud BAHIA, 2005, p.445)[5].

Desta forma, após a descrição inicial de um SUS formal-legal, neste tópico e no seguinte, pretende-se abordar alguns pontos que envolvem algumas complexidades e dificuldades que o SUS formal  enfrenta para se tornar o SUS real, nos tópicos finais."



[1] A atuação complementar da iniciativa privada no âmbito do SUS é de extrema importância para discussão da saúde pública e do direito à saúde. Faz-se essa ressalva principalmente por não se ter abordado o tema no texto “Comissões Intergestores: inovação na descentralização das políticas de saúde”. (CANUT, 2011).
[2] “A participação efetiva do setor privado no SUS hoje é mais pronunciada na atenção hospitalar e na oferta de serviços especializados de maior densidade tecnológica e custo, e representa uma proporção importante dos gatos do sistema. Essa dependência o SUS em relação aos serviços privados reflete a insuficiência de investimentos na rede pública e a baixa produtividade da maioria dos serviços sob gerência pública. A oferta de serviços pelo setor privado está orientada pela lucratividade dos atos e condicionada pelos diferenciais de remuneração da tabela do SUS que tem favorecido os procedimentos especializados que utilizam maior aporte tecnológico.” (VASCONCELOS; PACHE, 2008, p. 548). 
[3] Ressalta-se que “[...] (as instituições-organismos de direito privado sempre terão relação jurídica de natureza regulatória com os SUS, pois submetem-se às normas jurídicas impostas pelas fontes normativas do SUS, notadamente as do Ministérios da Saúde, da ANS e da Anvisa). São instituições-organismos de direito privado submetidas diretamente ao direito sanitário as seguradoras e os planos de saúde, as clínicas privadas de saúde, os laboratórios privados de saúde, os hospitais privados, etc. [...]”.(BRASIL, 2006, p. 63, 64).
[4] Rodrigues e Santos explicam os três tipos de sistemas: o sistema público de acesso universal; o de seguro social e o de saúde privada.(2009, p. 16)
[5]Para Ligia Bahia, essas diferentes concepções auxiliam “[...] a compreensão sobre as relações entre o público e o privado no sistema de saúde. (BAHIA. 2005, 455).

domingo, 12 de fevereiro de 2012

"AMB lança projeto de iniciativa popular por mais recursos para a Saúde"

No dia 19/01/12 publiquei o post "AMB e OAB propõem lei de iniciativa popular para garantir o financiamento da Saúde"  - que remete à publicação do Blog Saúde com Dilma .
No dia 06/02/12, também no Blog Saúde com Dilma, constam mais informações sobre o assunto:
"AMB lança projeto de iniciativa popular por mais recursos para a Saúde

Decisão STJ :"Procon pode propor ação contra reajuste em plano de saúde privado"

Notícia do dia 08/02/12, no site do Superior Tribunal de Justiça-STJ, sobre a decisão de que:
"O Procon do Distrito Federal tem legitimidade para propor ação civil pública contra reajuste de plano de saúde privado. A decisão, do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Carlos Ferreira, mantém processo contra a Amil Assistência Médica Internacional Ltda. por aumento superior a 25% na mensalidade dos associados.
Segundo a decisão individual do ministro, proferida a partir de diversos precedentes do Tribunal, a legitimidade do Procon está respaldada no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por essa lei, os entes federados e associações podem propor ação em defesa dos direitos dos consumidores.
A jurisprudência do STJ também afirma o cabimento de ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos de relevante cunho social, como o direito à vida ou à saúde. Para o ministro, o fato de o número de beneficiados ser limitado não desnatura a relevância social do interesse que o Procon busca proteger.

Trâmite
Na primeira instância, a ação foi julgada improcedente. O juiz entendeu que os reajustes estavam dentro da normalidade.
Em recurso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) afirmou apenas a ilegitimidade do ente estatal para substituir cidadãos na defesa de seus interesses próprios. Segundo o TJDF, a ação civil pública não pode ter seu alcance ampliado “para abranger pequenos grupos”, sendo que o Procon-DF usou essa ação como meio de defesa de poucos consumidores.
Com isso, o processo foi extinto sem resolução do mérito. A decisão do STJ anula essa fase e devolve o caso ao TJDF, para que dê seguimento à análise da legalidade do aumento contestado pelo Procon.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa "

"A relação público X privado na Política de Saúde"

Mais um texto sobre essa temática que tem sido objeto de atenção aqui no Blog: "A relação público X privado na Política de Saúde"
Entrevista com a Profa. Maria Fátima de Souza, do NESP/UnB.
Do Cebes
POLITIZANDO: Como mediar a convivência público/privado na provisão de um bem como a saúde?
Profa. Maria Fátima: Devemos mediar segundo os valores e princípios de que as políticas públicas no Estado brasileiro são fundadas no atendimento das necessidades e direitos humanos básicos (CF de 1988; Art. 6o – Direitos Sociais); logo, compete ao Estado assegurar a saúde para todos como dever de proteção de cada indivíduo, família e comunidade no tocante a atenção à saúde. Portanto, a presença do setor privado deve ser complementar. E mais, convém esclarecer que no SUS todos os serviços de assistência à saúde podem ser complementados mediante contrato ou convênio com terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, desde que comprovada a insuficiência desses serviços pelos entes públicos responsáveis pela saúde (art. 24 da Lei 8.080/90). Com isso, reafirmo que o Estado deve garantir o acesso universal a bens e serviços essenciais à dignidade humana, não garantida pelo mercado. E quando for necessária a presença do mercado, o Estado deve assumir seu papel regulador e protetor da saúde dos seus cidadãos e cidadãs.
POLITIZANDO: O crescimento do mercado de planos privados causa impacto no âmbito da Atenção Básica? Em que sentido?
Profa. Maria Fátima: Causa impacto no âmbito do Sistema Único de Saúde, não necessariamente na Atenção Básica. Essa parte do sistema não interessa ao mercado porque não é rentável no tocante aos procedimentos ofertados. Atenção Básica é o lugar da prevenção e promoção da saúde em essencial. O setor privado cuida da doença e de suas terapêuticas, essa sim é a parte do “bolo” que lhe interessa. Agora o crescimento dos planos de saúde vem fragilizando o SUS na medida em que reforça o imaginário coletivo de que eles são “seguros, resolutivos…”, sobretudo a população de 30 milhões de pessoas que saiu da linha da pobreza e que hoje é potencial “consumidora” dos planos de saúde. Isso sim convoca a todos nós, defensores do SUS, a continuar nossa permanente luta pelo sistema universal, gratuito, equânime, resolutivo e humanizado, deixando o setor privado sem subsídio dos recursos públicos, sob o marco regulatório do Estado, sim, como complementar.
POLITIZANDO: De que forma os profissionais graduados em saúde coletiva podem atuar neste ambiente de provisão de cuidados marcado pela convivência entre o público e o privado?
Profa. Maria Fátima: Penso que graduados em saúde coletiva devem ser formados para operar no SUS, defendendo seus valores e princípios doutrinários. Assim podem contribuir com seus processos organizativos de forma a assegurar o sistema como um patrimônio nacional a serviço de todos os brasileiros, como um dever de nação/estado, por um lado. Por outro lado, deve ser um profissional competente, ético e socialmente comprometido com a justiça social. A partir desse lugar devem estabelecer uma relação saudável entre o público e o privado, orientados por dois pensamento/ação: primeiro compreender que atenção básica à saúde, universal e de alta resolutividade (85 – 90% das necessidades de saúde) deve ser a ordenadora do sistema e serviços públicos de saúde; segundo, que as redes de atenção à saúde devem ser integradas (serviços assistenciais de média e alta complexidade); esses podem ser complementados pelo setor privado, diretamente, ou por meio de serviços não lucrativos, desde que sejam totalmente voltados e regulados para o interesse público, para a proteção das famílias brasileiras.
POLITIZANDO: Tendo em vista a Constituição Federal de 1988, que incorporou muito das idéias do Movimento Sanitário, no capítulo da Saúde, por que o mercado de planos privados cresce de forma tão pujante no Brasil?
Profa. Maria Fátima: Porque o setor privado nunca deixou de ser forte e presente no Sistema de Saúde do Brasil. Vejamos: Primeiro, o Estado subsidia o plano de natureza mercadológica quando isenta do pagamento de imposto de renda. Nesse caso não se inclui apenas as instituições filantrópicas. Segundo, quando deduz do imposto de renda pessoa física no tocante às “despesas” com saúde. Terceiro, quando os setores do Estado/governo ofertam planos privados para seus servidores (por exemplo, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário), além dos incentivos ao chamado parque tecnológico de apoio diagnóstico e terapêutico. Quarto, quando o mercado de planos de “saúde” usa o SUS e não faz seu devido ressarcimento. Assim, o mercado cresce livremente. Aí reside o risco de consolidação do SUS como um sistema universal e digno de todos os brasileiros. É preciso corrigir esse desvio.
POLITIZANDO: Qual a sua opinião acerca da afirmativa de que o Sistema de Saúde Brasileiro é sub-financiado no âmbito público e superfinanciado no âmbito particular?
Profa. Maria Fátima: Os argumentos que apresentei na questão acima explicam em parte sua pergunta. Afinal, vivemos em permanente tensão entre o Estado, Governo e o setor privado. Alguns governos (mais progressistas) defendem o SUS, ainda que parcialmente; outros (mais ao centro/direita) tendem a fragilizá-lo, quando subsidiam os gastos privados com seguro privado de saúde, principalmente quando utilizam da “falácia” de contenção de gastos público para evitar crises macroeconômicas. Os movimentos pela regulmentação da Emenda Constitucional 29 (EC-29) são reveladoras dessa tensão, na qual a tendência é financiar o básico, continuando o sub-financiamento do setor público e a liberação do mercado. Assim faz sentido a expressão máxima: o SUS para os pobres e o setor privado para os ricos, muitas vezes subtraindo dos pobres. É o caso da porta dupla dos Hospitais Universitários. Naquilo que afirma Ligia Bahia: “entre os elementos que originaram as duplas portas de entrada destacam-se, para além do sub-financiamento do SUS, a concepção sobre a existência da divisão da população brasileira para fins de atenção à saúde em “não pagantes” e pagantes e a noção sobre a legitimidade e virtuosidade da “venda” de serviços de hospitais públicos”.
POLITIZANDO: Que perspectivas se vislumbram, neste cenário de convivência entre público e privado? A participação social pode mudar esse cenário? Ou as políticas públicas de regulação são suficientes?
Profa. Maria Fátima: O que pode- mos projetar é voltarmos às ruas defendendo o SUS. Em um movi- mento civilizatório de proteger um sistema que, historicamente, foi construído com muitas lutas sociais. E para isso muitas vidas foram perdidas ou esquecidas na trajetória desses 30 anos. Tempo marcado por fortes movimentos sociais, nos quais a participação dos diversos setores foi orientada por um bem comum: a democratização do setor saúde e a criação do Sistema público, universal, integral, equânime e socialmente construído por todos os brasileiros. Essa é uma ética que devemos reimprimir. A ética da urgência em defesa da vida e de um sistema que possa protegê-la em todas as suas dimensões, tempo e lugar.
* Entrevistada aplicada por: Elizabeth S. C. Hernandes
Maria de Fátima é Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB) mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Paraíba- (UFPB), especialista em Saúde Coletiva e graduada em Enfermagem pela UFPB (1986). Atualmente é professora do Departamento de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências da Saúde, da UnB, e coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP) da mes- ma Universidade, onde implantou a Unidade de Estudos e Pesquisas em Saúde da Família (UEPSF). Foi gerente nacional do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e assessora no Programa Saúde da Família (PSF), junto ao Ministério da Saúde (1994-2001). Atuou como consultora especializada nas Secretarias Municipais de Saúde e do Verde e Meio Ambiente, ambas em São Paulo. Tem experiência no campo da Saúde Coletiva, com ênfase em políticas públicas de saúde, modelos de atenção à saúde e gestão de sistemas locais de saúde"

Texto “Parece claro que a luta tem que ser contra o capital financeiro” e indicação de bibliografia

 No blog saúde com Dilma, o texto "“Parece claro que a luta tem que ser contra o capital financeiro”de 06/02/12, postado inicialmente no blog do Cebes., apresenta, de forma resumida, o cenário a ser enfrentado pelos os movimentos sociais que lutam pelos direitos sociais na atualidade.
Os desafios são muitos e não surgem apenas com as crises "de agora".
Para entender melhor alguns desafios que o neoliberalismo e as relações transnacionais criaram,  e continuam a criar, para os movimentos sociais e para o Estado, recomendo a leitura da obra indicada a seguir. É um pequeno livro que apesar de ser citado juntamente com o texto ora em comento não poderia analisar as novas crises que surgem desde 2008 - conforme citado no artigo supra- já que o livro foi publicado em 1998.
Dados da obra:

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia. Cadernos democráticos n. 4. Colecção Fundação Mário Soares. 1 edição. Lsiboa: Edição gradativa, 1998.