Após acompanhar a notícia que veiculei no Blog sobre a Lei nº 1131/10, meu colega, mestre em direito Francisco Pizzette Nunes, que acaba de defender dissertação com tema relacionado ao setor privado no SUS, fez uma breve avaliação sobre o significado de tal Lei no cenário das políticas de saúde no Brasil.
Em seguida, copio na íntegra a texto elaborado por Franciso:
"Em atenção ao Ato Público contra a Lei n. 1.131/2010, não pude deixar de manifestar minhas impressões sobre tal ato normativo, uma vez que este coincide com a temática de minhas pesquisas, qual seja, a relação entre o público e o privado nas políticas de saúde do Brasil.
Ao possibilitar a venda de 25% dos leitos e serviços hospitalares do SUS a pacientes particulares e beneficiários de planos e seguros de saúde suplementar, tal dispositivo legal não apenas infringe a Constituição Federal no que diz respeito aos princípios da universalidade, gratuidade e igualdade no atendimento à saúde, mas representa mais um indício material de uma contra-reforma neoliberal no âmbito das políticas de saúde.
Fazendo uma breve retrospectiva histórica das políticas de saúde no Brasil, até o final do século XX estas se desenvolveram dentro da dicotomia público-privado. Porém, deve se ressaltar que foi o próprio governo brasileiro que fomentou a expansão do setor de saúde suplementar mediante o antigo sistema-médico previdenciário, chegando a fazer uso do fundo público para subsidiar as operadoras de planos e seguros de saúde.
Por um lado tínhamos um sistema médico-previdenciário que excluía todos os não vinculados à previdência de sua esfera de atendimento. Por outro, dispúnhamos, e ainda dispomos, de planos e seguros privados de assistência à saúde que destinam seus serviços apenas aqueles que possuem recursos financeiros suficientes para contratarem seus serviços, tendo a precarização dos serviços públicos de saúde fomentado sua expansão.
O desvio de 25% das vagas do SUS para o setor privado representa mais do que um fila dupla no atendimento à saúde, mas num projeto de contra-reforma de cunho neoliberal que visa uma remercanilização da saúde, comprometendo com o caráter universal, gratuito e igualitário de um SUS que foi fruto de uma Reforma Sanitária, de caráter plural e emancipatório, protagonizada pela sociedade mediante as diversas manifestações que compuseram o Movimento Social em Saúde.
Trata-se, portanto, de uma afronta à própria memória histórica da saúde no Brasil, de uma ofensa a todos aqueles que se engajaram na luta pela democratização dos serviços de saúde no Brasil.
Por fim, evocando o princípio da participação popular no controle das políticas de saúde, devemos nos mobilizar a fim de coibir projetos que, a exemplo de tal lei, representam um retrocesso na implementação do SUS. O controle social sobre as políticas de saúde deve ser garantido pelo Estado, o qual não deve valer-se apenas de instrumentos de democracia representativa para conferir legitimidade para seus atos, mas deve conciliar estes com instrumentos de democracia participativa, como é o caso dos conselhos, conferências, audiências e consultas públicas. Só assim teremos o SUS que queremos"