segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O SUS e a relação saúde complementar X saúde suplementar


Tendo em vista a importância de enterdermos o SUS , a sua composição e funcionamento, publico logo abaixo mais algumas informações sobre o tema. Incluo um pequeno trecho de um artigo de minha autoria (CANUT, Letícia) , escrito em março/abril de 2011,  que está em processo de avaliação em uma Revista Jurídica, tendo recebido o título inicial " Uma breve introdução ao SUS para compreensão do direito à saúde no Brasil "
Seguem alguns trechos do texto que dicorrem sobre o SUS , saúde complementar e saúde suplementar:
"O SUS foi definido constitucionalmente no artigo 198 caput  e incisos I, II e III, como um sistema único que conforma uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços públicos de saúde a ser organizada sob um desenho descentralizado que permita a participação da comunidade para  cumprir o atendimento integral à população.

A lei orgânica da Saúde, lei 8080/90, também define o SUS. Em seu artigo 4º dispõe que o SUS consiste no “Conjunto de ações e serviços prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, [...]”.

Frente à permissão constitucional de participação do setor privado para a  prestação de assistência à saúde, “também são consideradas ações e serviços públicos de saúde, integrantes do SUS, aquelas executadas por instituições privadas nos termos do § 1º do art. 199 da Constituição. [...]”(AITH, 2007, p. 342; BRASIL, 2006, p. 57). Trata-se de atuação que configura o denominado setor complementar[1].  Nesse sentido, a lei 8080/90, após definir o SUS no artigo 4º, reafirma a permissão já efetuada pela Carta magna, dispondo no § 2º desse artigo que “A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde – SUS, em caráter complementar.”

Desta forma, o artigo 24, caput, da lei 8080/90, discorre sobre a possibilidade de participação do setor privado, de modo complementar no SUS “quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, [...]”. Dá-se preferência à participação de entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (BRASIL, 2007, p. 41; DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 96), em conformidade com o que dispõe o § 1º do artigo 199 da Constituição e artigo 25 da lei 8080/90. “Essa preferência é reforçada pela dicção do § 2º do art. 199 que proíbe a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.” (DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 96)

A formalização da participação privada no SUS dá-se, em conformidade com § 1º do artigo 199 da CF e do § único do artigo 24 da lei 8080/90, por meio de contratos ou convênios, de acordo com as normas de direito público.  Os convênios, nos casos de entidades filantrópicas, e os contratos, no caso de entidades lucrativas, são firmados com o gestor do SUS (estadual ou municipal). (BRASIL, 2007, p. 41)

O § 1º do artigo 199 prevê, que as entidades que participem do SUS de forma complementar deverão atuar segundo as diretrizes do sistema. O § 2º do artigo 26 da lei 8080/90 reforça essa previsão ao estabelecer que  “os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde-SUS, mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.”

Com tais previsões normativas, “[...] todas as pessoas jurídicas de direito privado que tiverem firmado contrato ou convênio com os órgãos e as entidades que compõem o SUS serão consideradas, para todos os fins, instituições do SUS[2].” (BRASIL, 2006, p. 69). Uma vez integrado ao SUS, “[...] submeter-se-ão a regulação, fiscalização, controle e avaliação do gestor público correspondente, conforme as atribuições estabelecidas nas respectivas condições de gestão.” (BRASIL, 2007, p. 41)

Ao dispor que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”, o caput do artigo 199 da Constituição permitiu não só a atuação de entidades privadas de forma complementar no SUS mas também a atuação da iniciativa privada fora do SUS, configurando o setor de saúde suplementar, por meio do qual muitos cidadãos buscam ações e serviços de saúde. Essa atuação é prevista nos artigos 20 a 23 da lei 8.080/90.

Desta forma, para  “[...] a iniciativa privada fora do SUS, existe um regime jurídico diverso[...]. Sem pretensão de se dedicar diretamente a esse tema, levantam-se apenas alguns pontos: a) a atuação da iniciativa privada na assistência à saúde deve ser controlada pelo Poder público em virtude do reconhecimento da relevância pública de tais ações pelo artigo 197 da Constituição Federal; b) a iniciativa privada pode prestar assistência à saúde em todos os níveis de complexidade – da atenção básica à média e alta complexidade; c) é proibida, em conformidade com o § 3º do artigo 199 da CF, “[...] a participação direta ou indireta e empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei [...]”;  d) Os planos privados de assistência à saúde são regulados pela  lei 9.656/98 e encontram-se sob a supervisão e controle  da Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS, criada pela lei 9.961/00 (DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 97); e) a “ANS é responsável pela normatização, pela fiscalização e pelo controle da atividade e todas as instituições jurídicas de direito privado que, de alguma forma, operam seguros e planos de saúde ou prestam ações e serviços privados de saúde e não possuem relação jurídica de natureza obrigacional com o Sistema Único de Saúde[3] [...]”.(BRASIL, 2006, p. 63, 64).

No que diz respeito aos Hospitais Universitários- HUs, de acordo com o artigo 45 da Lei 8.080/90, sua participação no SUS dar-se-á mediante convênio “[...] e não automaticamente como a princípio de [sic] depreende do texto do art.4º da Lei em comento.” (MAUÉS; SIMÕES, 2002, p.57)

    Dessas características gerais verifica-se que no Brasil “a oferta de serviços de saúde é feita pelo SUS e pelo mercado privado. [....]”(RODRIGUES, SANTOS; 2009, p.134). Tem-se  um Sistema Único de Saúde universalista – complementado pela iniciativa privada - ao lado da atuação do setor privado de forma suplementar.

Observa-se, então, que o Sistema de Saúde brasileiro – considerado em aspecto amplo -  organiza-se como um sistema de saúde misto, como ocorre em vários outros países. Isso significa que ele combina características de mais de um tipo de sistema saúde[4] e se reflete nas combinações feitas entre o sistema público universal e sistema privado, que atua fora do Sistema de saúde público. Sendo que, “[...] apesar da predominância do sistema público universal, há a atuação do setor privado (RODRIGUES, SANTOS; 2009, p. 16).

Assim, dedicando-se à análise do SUS, verifica-se que ele consiste no

                                      [...] arranjo institucional do Estado brasileiro que dá suporte à efetivação da política de saúde no Brasil, e traduz em ação os princípios e diretrizes desta política. Compreende um conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde, e aglutina o conjunto das organizações públicas de saúde existentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional, e ainda os serviços privados de saúde que o integram funcionalmente ´para a prestação de serviços aos usuários do sistema, de forma complementar, quando contratados ou conveniados para tal fim. (VASCONCELOS; PASCHE, 2008, p. 531)

Paim chama atenção ao fato de que o SUS pode ser analisado sob mais de uma perspectiva: como um sistema democrático aos moldes propostos pelo movimento sanitário; como um sistema formal-legal, conforme os preceitos constitucionais, legais e normativos em geral; um sistema à mercê de pressões econômicas do governo, da burocracia e do clientelismo; um sistema ‘para pobres’. (apud BAHIA, 2005, p.445)[5].

Desta forma, após a descrição inicial de um SUS formal-legal, neste tópico e no seguinte, pretende-se abordar alguns pontos que envolvem algumas complexidades e dificuldades que o SUS formal  enfrenta para se tornar o SUS real, nos tópicos finais."



[1] A atuação complementar da iniciativa privada no âmbito do SUS é de extrema importância para discussão da saúde pública e do direito à saúde. Faz-se essa ressalva principalmente por não se ter abordado o tema no texto “Comissões Intergestores: inovação na descentralização das políticas de saúde”. (CANUT, 2011).
[2] “A participação efetiva do setor privado no SUS hoje é mais pronunciada na atenção hospitalar e na oferta de serviços especializados de maior densidade tecnológica e custo, e representa uma proporção importante dos gatos do sistema. Essa dependência o SUS em relação aos serviços privados reflete a insuficiência de investimentos na rede pública e a baixa produtividade da maioria dos serviços sob gerência pública. A oferta de serviços pelo setor privado está orientada pela lucratividade dos atos e condicionada pelos diferenciais de remuneração da tabela do SUS que tem favorecido os procedimentos especializados que utilizam maior aporte tecnológico.” (VASCONCELOS; PACHE, 2008, p. 548). 
[3] Ressalta-se que “[...] (as instituições-organismos de direito privado sempre terão relação jurídica de natureza regulatória com os SUS, pois submetem-se às normas jurídicas impostas pelas fontes normativas do SUS, notadamente as do Ministérios da Saúde, da ANS e da Anvisa). São instituições-organismos de direito privado submetidas diretamente ao direito sanitário as seguradoras e os planos de saúde, as clínicas privadas de saúde, os laboratórios privados de saúde, os hospitais privados, etc. [...]”.(BRASIL, 2006, p. 63, 64).
[4] Rodrigues e Santos explicam os três tipos de sistemas: o sistema público de acesso universal; o de seguro social e o de saúde privada.(2009, p. 16)
[5]Para Ligia Bahia, essas diferentes concepções auxiliam “[...] a compreensão sobre as relações entre o público e o privado no sistema de saúde. (BAHIA. 2005, 455).

3 comentários:

  1. Belo texto! É comum a confusão de se considerar a saúde suplementar como parte do SUS, o que de fato ocorre com a iniciativa privada em caráter complementar. Sua análise deixa a clara a divisão.

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  2. Letícia Canut, tem algum e-mail que eu possa entrar em contato contigo de modo urgente? Desde já, agradeço.

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  3. Olá Thayná, boa tarde. Só agora vi seu comentário. Caso não seja tarde: leticiacanut@gmail.com

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