A luta contra a privatização do SUS continua. Depois de várias publicações aqui no blog sobre o tema, temos mais uma novidade em relação ao caso da dupla porta no Estado de São Paulo:
Publicado hoje, no Blog Saúde Brasil: "A primeira grande vitória no Brasil contra a dupla porta em hospitais públicos
maio 22, 2012 em BLOG por Paulo Navarro
Por 3 votos a zero, a Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou na semana passada o recurso do
governo paulista contra a decisão do juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª
Vara da Fazenda Pública, que derrubou a lei nº 1.131/2010.
A Lei da Dupla Porta ou dos fura-fila no SUS, como é conhecida,
permite aos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde
(OSs) vender até 25% dos seus leitos e outros serviços a planos
privados de saúde e particulares.
O voto do relator, o desembargador José Luiz Germano, foi publicado
na sexta-feira 18. Os desembargadores Cláudio Augusto Pedrassi e Vera
Angrisani acompanharam-no.
Entidades que defendem o SUS como direito de cidadania comemoram o placar.
“É a primeira grande vitória no Brasil contra a dupla porta”, saúda o
promotor Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Justiça dos Direitos
Humanos – Área de Saúde Pública do Ministério Público Estadual de São
Paulo (MPE-SP).
“Estamos aliviados”, celebra o médico Arthur Chioro, presidente do
Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo
(Cosems-SP) e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo. “Os efeitos
da aplicação desta lei seriam desastrosos para a saúde pública e
deletérios para os usuários do SUS em todo o Estado.”
O vereador Carlos Neder (PT-SP), secretário de Saúde na gestão da
prefeita Luiza Erundina, destaca: “A decisão unânime do TJ-SP mostra que
há entendimento de que o risco de quebra dos princípios do SUS importa
mais do que eventual acréscimo de aporte de recursos que a medida
poderia trazer”.
“Uma vitória da sociedade civil”, sublinha Mário Scheffer, presidente
do Grupo Pela Vidda. “Afinal, só foi possível devido à posição firme e
unânime das entidades e movimentos ligados à saúde, incluindo os
conselhos municipal, estadual e nacional.”
“Vitória do direito à saúde e à vida”, observa o deputado estadual Adriano Diogo (PT). “Dupla porta é dupla morte.”
“É uma vitória de todo o conceito que a sociedade quer do sistema de
saúde”, salienta o médico Renato Azevedo Júnior, presidente do Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). “Sistema público,
universal, gratuito, equitativo e integral, como está consagrado na
Constituição Brasileira.”
“Reacendeu a minha esperança na Justiça. No Judiciário, tem gente
capaz de ver e agir a favor do cidadão, que, na maioria das vezes, está
indefeso aos golpes que lhe são infringidos. Uma canetada do
Legislativo, Executivo ou Judiciário pode causar mais mortes e
sofrimento que a criminalidade explícita”, analisa Gilson Carvalho,
médico pediatra e de Saúde Pública e incansável batalhador pelo SUS. “Um
alento para outras batalhas que temos pela frente.”
HOSPITAIS PÚBLICOS PAULISTAS IMPEDIDOS DE VENDER ATÉ 25% DOS LEITOS A PLANOS
Teoricamente as OSs são entidades filantrópicas. Só que, na prática,
funcionam como empresas privadas, pois o contrato é por prestação de
serviços.
A lei de OSs, de 1998, estabelecia que apenas os novos hospitais
públicos do Estado de São Paulo poderiam passar para a administração das
OSs. Porém, uma lei de 2009 do ex-governador José Serra (PSDB),
derrubou essa ressalva. Ela permite transferir às OSs o gerenciamento
de todos os hospitais públicos do Estado.
Em 2010, a lei 1.131 do então governador Alberto Goldman (PSDB),
aprovada pela Assembleia Legislativa paulista, autorizou os hospitais
gerenciados por OSs a vender até 25% dos seus leitos dos SUS privados
de saúde e particulares.
Em julho de 2011, ela foi regulamentada pelo atual governador Geraldo Alckmin (PSDB) e passou a valer.
Porém, atendendo à representação de mais de 50 entidades da sociedade
civil, os promotores Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna
Faggioni, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública,
entraram com ação civil pública, com pedido de liminar.
O juiz Lima Porta acatou a representação e deu a liminar, paralisando
a venda de 25% dos serviços do SUS a planos privados de saúde até o
final da ação, quando julgará o mérito. A Secretaria Estadual da Saúde
de São Paulo recorreu, mas o desembargador José Luiz Germano negou o
pedido (chama-se agravo de instrumento).
O mérito desse agravo foi julgado na semana passada, quando o TJ-SP decidiu não cassar a liminar do juiz Marcos Lima Porta.
“Juridicamente o governo do Estado não tem mais o que fazer, a não
ser aguardar a sentença final do dr. Lima Porta, que nos concedeu a
liminar”, traduz Arthur Pinto Filho. “Até lá os hospitais públicos paulistas estão impedidos de vender até 25% de seus leitos para particulares e planos de saúde.”
“LEGALIDADE DUVIDOSA DA NORMA RECOMENDA QUE SE AGUARDE O JULGAMENTO DO MÉRITO”
O desembargador José Luiz Germano, relator do recurso, sentencia: Legalidade
duvidosa que recomenda que se aguarde o julgamento do mérito, para
impedir prejuízo aos pacientes e aos cofres públicos. Duplo efeito
negado e decisão mantida.
Em função do significado do seu voto, destacamos alguns trechos:
“O caso em questão é de grande repercussão, não pela divulgação que a
imprensa tem lhe dado, mas pela implicação que ele tem na vida de
milhões de pessoa e por envolver recursos de cifras extremamente
elevadas, especialmente numa área que tem grande importância na vida das
pessoas: a saúde”.
“A saúde é um dever do Estado, que pode ser exercida por
particulares. Esse serviço público é universal, o que significa que o
Estado não pode distinguir entre pessoas com plano de saúde e pessoas
sem plano de saúde. No máximo, o que pode e deve ser feito é a cobrança
contra o plano de saúde. Para que isso ocorra já existem leis
permissivas e até mesmo princípios gerais de direito”.
“Porém, a institucionalização do atendimento aos clientes dos planos
particulares, com reserva máxima de 25% das vagas, nos serviços públicos
ou sustentados com os recursos públicos, pode criar uma anomalia que é a
incompatibilização e o conflito entre o público e o privado, com as
evidentes dificuldades de controle”.
“O Estado pretende que as organizações sociais, em determinados
casos, possam agir como se fossem hospitais particulares, mesmo
sabendo-se que algumas delas operam em prédios públicos, com servidores
públicos e recursos públicos para o seu custeio! Tudo isso para
justificar a meritória iniciativa de cobrar dos planos de saúde pelos
serviços públicos prestados aos seus clientes. Porém, é difícil entender
o que seria público e o que seria privado em tal cenário. E essa
confusão, do público e do privado, numa área em que os gastos chegam aos
bilhões anuais, é especialmente perigosa, valendo a pena lembrar que as
organizações sociais não se submetem à obrigatoriedade das licitações
nas suas aquisições”.
“O dinheiro do plano interessa às organizações sociais para a
ampliação de seus serviços, mas elas não podem servir ao mesmo tempo a
dois senhores (planos de saúde e o Estado) com interesses tão opostos,
ainda que atuantes na mesma área (saúde)”.
“O paciente do SUS tem hoje atendimento. Pode não ser o atendimento
ideal, mas ele está ao seu dispor, sem qualquer pagamento. O paciente
dos planos de saúde tem a sua rede credenciada, que não lhe cobra porque
isso já está embutido nas mensalidades. Se ele precisar da rede
pública, poderá utilizá-la sem qualquer pagamento, mas sem privilégios
em relação a quem não tem plano”.
“A criação de reserva de até 25% vagas, no serviço público, para os
pacientes de planos de saúde, aparentemente, só serviria para dar aos
clientes dos planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos
de saúde: distinção, privilégio, prioridade, facilidade e conforto
adicional. Não é preciso dizer que tudo isso é muito bom, mas custa
muito dinheiro. Quando o dinheiro é particular, tudo bem. Mas quando se
trata de dinheiro público e com risco disso ser feito em prejuízo de
quem não tem como pagar por tais serviços, aí o direito se considera
lesado em princípios como igualdade, dignidade da pessoa humana, saúde,
moralidade pública, legalidade, impessoalidade e vários outros”.
“Por tudo isso, entendo que não há fumaça do bom direito ou mesmo
perigo na demora caso não ocorra de imediato a implantação de tamanha e
perigosa mudança na saúde pública”.
Não à toa, agora mais esperançoso, Gilson Carvalho já está com os
olhos no futuro: “Lutar sem esmorecer é o desafio. Acabar com a dupla
porta no Hospital das Clínicas, no Hospital Regional do Vale do Paraíba e
nos hospitais universitários federais serão as nossas próximas
batalhas”. "
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