No Portal do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário - CEPEDISA foi publicado, em janeiro deste ano, o editorial da Revista de Direito Sanitário (Volume 12 - número 3), que tem previsão de lançamento para o presente mês:
"Caros leitores: Escrevo este editorial nos dias em que um caso símbolo da nova importância do direito para a saúde pública domina o debate entre os cientistas, envolvendo as mais prestigiosas publicações mundiais. Trata-se das pesquisas desenvolvidas especialmente por dois laboratórios (Erasmus MC, Rotterdam, Holanda e University of Wisconsin-Madison, Wisconsin, USA) que, trabalhando separadamente, identificaram um determinante específico (hemaglutinina - HA) que torna os vírus da gripe aviária (H5N1) transmissível para os furões. Esta informação é fundamental para a compreeensão do processo que pode tornar este mesmo vírus transmissível para os homens e, em consequência, para que se possa definir os mecanismos de proteção nacional e internacional de uma eventual pandemia. Teme-se, contudo, que esta possa ser usada imediatamente como arma biológica.
Assim, no mesmo mês de setembro de 2011, os referidos grupos de pesquisa anunciaram seus resultados: o primeiro em um congresso científico em Malta, tendo em seguida submetido o artigo correspondente à revista Science; o segundo, tendo apresentado seus resultados para a revista Nature. Em 20 de dezembro, o Comitê de Biosegurança dos Estados Unidos da América (National Science Advisory Board for Biosecurity, um comitê que assessora o Departamento de Saúde e Serviços Humanos - HHS - e outros departamentos e agências federais em matéria de biosegurança) recomendou ao HHS que pedisse aos autores dos manuscritos e aos editores das revistas que "as conclusões gerais acentuando a novidade fossem publicadas, mas que os manuscritos não incluíssem detalhes metodológicos e outros que permitissem a replicação dos experimentos por aqueles que buscam causar mal" . O HHS concordou com o parecer e fez a recomendação para os autores e os editores. Em 30 de dezembro, a Organização Mundial de Saúde declarou estar "muito preocupada com as potenciais consequencias negativas (dos riscos e maus usos associados aos estudos a respeito de mutações do H5N1 que poderiam torná-lo mais transmissível para os homens)". Ela notou também que "esses estudos conduzidos em condições apropriadas devem continuar para que o conhecimento científico necessário à redução dos riscos postos pelo vírus H5N1 continue a aumentar" .
Seguiu-se, como era esperado, um grande debate entre os cientistas. Em 15 de janeiro de 2012, a revista Nature publicou a opinião de 10 cientistas renomados a respeito da situação. Entre eles, os autores do primeiro artigo apresentado à Science declararam "não questionar as recomendações sem precedentes do NSABB ... mas questionamos a adequação de termos um país dominando uma discussão que impacta os cientistas e oficiais da saúde pública de todo o mundo. Esta discussão deve incluir a perspectiva das pessoas nas regiões onde o H5N1 infectou seres humanos. Deverá o NSABB também aconselhar quais pesquisadores e oficiais internacionais poderão ver os artigos integrais, para ajudar a implementar as estratégias de vigilância e outras intervenções urgentemente necessárias? ... Um assunto tão grande não deve ser decidido por um país, mas por todos nós".
E agora os principais investigadores daqueles dois laboratórios afirmam reconhecer que eles próprios e "o resto da comunidade científica precisam explicar claramente os benefícios dessa importante pesquisa e as medidas tomadas para minimizar seus possíveis riscos. Nós propomos fazer isso em um fórum internacional no qual a comunidade científica se reuna para discutir e debater esse assunto em conjunto. Nós reconhecemos que as organizações e os governos ao redor do mundo precisam de tempo para achar as melhores soluções para oportunidades e desafios que decorrem do trabalho. A fim de dar tempo a essas discussões, nós concordamos em uma pausa voluntária de 60 dias em todas as pesquisas envolvendo os vírus altamente patogênicos da gripe aviária H5N1, levando à geração de vírus que sejam mais transmissíveis para os mamíferos. Além disso, nenhum experimento com vírus vivo H5N1 ou H5 HA ou derivado deles, já demonstrado serem transmissíveis para os furões, será conduzido nesse período. Nós continuaremos a verificar a transmissibilidade dos vírus da gripe H5N1, que surgem na natureza e significam uma ameaça contínua para a saúde humana".
Em resumo, é urgente que as pessoas, os governantes e os cientistas se reunam para avaliar a situação e isso deve acontecer em todos os rincões da terra, pois todos são suscetíveis a uma epidemia da gripe H5N1. Parece também conveniente que seja a Organização Mundial de Saúde a convocar o fórum destinado a debater o assunto em conjunto nos próximos 60 dias. Entretanto, caso não se promova uma ampla discussão local, os representantes dos governos e os cientistas brasileiros expressarão apenas suas próprias opiniões. Isso não pode continuar acontecendo com um assunto de tamanho interesse para o desenvolvimento científico, a saúde pública e a segurança nacional. Todos precisam participar para definir a regra a ser aplicada. Espera-se que as universidades, os governos, os partidos políticos, os meios de comunicação liderem tal discussão.
Não deixa de ser relacionada a isso a questão em debate neste número da Revista de Direito Sanitário: "Loucura, direito e sociedade, um laço de presunções ideologicamente justificadas". Com efeito, cuida-se de fazer crer possível a existência de uma sociedade sem riscos, quando o risco é característico das sociedades humanas, que devem promover a mais ampla participação política para que as regras de convivência se aproximem do senso comum de justiça imperante na comunidade. E isso vale tanto para a definição da normalidade mental quanto para a determinação de limites para a pesquisa científica. No mais, caros leitores, temos a certeza de apresentar mais um excelente número da Revista de Direito Sanitário, com artigos originais que, passando pelo Brasil, vão de Uganda à Bélgica, divulgando também a jurisprudência das cortes latino-americanas em direito sanitário. E isso só vem sendo possível porque você, caro leitor, tem assumido ser também um de seus editores, sugerindo assuntos e coordenando o Tema em Debate, oferecendo e comentando um Trabalho Forense, propondo e resenhando obras nacionais e internacionais de interesse para o direito sanitário e, sobretudo, submetendo seus artigos originais. Contamos, portanto, com a efetiva participação de todos para que nossa Revista siga cumprindo, com qualidade, sua missão de divulgar informações e provocar reflexões em busca de soluções mais justas para fazer da saúde um direito de todos.
Sueli Gandolfi Dallari
editora científica"
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