Neilton Araujo de Oliveira[1]
O Brasil foi o centésimo país a aderir à “Convenção Quadro para o Controle do Tabaco” (MRE, 2006) da Organização Mundial de Saúde (OMS), e esta adesão foi na época assinada pelas seguintes autoridades de então: Ministro da Saúde Jose Agenor Álvares da Silva, Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto, Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, Ministro da Fazenda Antônio Palocci e Ministra Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, hoje Presidenta da República.
Desde a edição da Lei 9.294/1996 (PR, 1996), vem sendo reconhecido internacionalmente o esforço brasileiro para o controle do tabaco e a redução do tabagismo, colocando o Ministério da Saúde (MS), o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) cada vez mais em evidência como referencias nacionais neste assunto, tendo as Vigilâncias Sanitárias dos Estados e Municípios Brasileiros destacados papéis na implementação da Política de Controle do Tabaco, produzindo com sucesso a mobilização da sociedade e a redução marcante no número de fumantes no Brasil.
Neste contexto, a ANVISA vem ano a ano buscando o aperfeiçoamento do seu papel regulador (Lei Nº 9.782/1999) e ampliando a interlocução com outros órgãos de governo, com o setor regulado e, principalmente, com a sociedade, o que tem resultado mais transparência nas ações, melhor controle do tabaco e maior mobilização e adesão da população.
Contudo, mesmo com o avanço do conhecimento, e de mais informação para a sociedade, amadurecimento e incremento da Política de Controle do Tabaco produzindo maior conscientização da população, continuam muito fortes a pressão e os interesses econômicos da Indústria do fumo, como tem sido possível observar nas diversas oportunidades em que a ANVISA discute a atualização e aprimoramento da Regulação e Controle do Tabaco, a exemplo da proposição para Consulta Pública das duas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA:
A primeira, relativa aos “requisitos sanitários a serem observados para as embalagens e os materiais de propaganda dos produtos fumígenos derivados do tabaco”; a segunda, para “estabelecer os teores máximos permitidos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, na corrente primaria da fumaça dos cigarros, e a proibição da utilização de aditivos em todos os produtos derivados do tabaco, fabricados e comercializados no Brasil”.
Se por um lado a ANVISA e o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) vêm buscando mais visibilidade e transparência de suas ações, com ampliação do debate e maior participação social, por outro lado, os interesses econômicos contrariados ainda detêm forte influência e poder, conforme se observa em dois episódios recentes, e que ilustram muito bem esta questão, sendo um deles relacionado ao Parlamento Federal e outro ao Poder Judiciário.
No primeiro caso, a Câmara dos Deputados, diante do anúncio da ANVISA de que faria as Consultas Publicas supra citadas, realizou uma Audiência Publica, convocada pela Comissão de Agricultura da Câmara que, inicialmente poderia ser um apoio e oportunidade para ampliação deste debate, no entanto mostrou uma disposição impressionante dos mais de 50 (cinqüenta) Deputados presentes, em propor e defender asuspensão das Consultas Públicas da ANVISA. Ora, o parlamento que deveria primar pela defesa da participação social e estimular o debate democraticamente, agia naquela ocasião exatamente ao contrário, tentando impedir duas Consultas Públicas que, na essência, representam um esforço importante e inovador de ouvir a sociedade.
Agora, após a realização das duas Consultas Públicas (CP 112/10 e CP 117/10), que receberam 247.658 correspondências e somente 54 representaram alguma contribuição, a ANVISA propôs duas Audiências Públicas (2011), convocadas em tempo hábil e legal para se realizar em 06/10/2011 no Rio de Janeiro. Entretanto, em 05/10/2011, ou seja, na véspera, a Justiça determinou a suspensão dessas Audiências (ANVISA, 2011), a pedido do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco, sentença proferida pelo Desembargador Federal Vilson Darós, que sequer ouviu a ANVISA, e cuja alegação é o fato do auditório previsto para as Audiências ser de apenas 200 lugares, determinando então que as novas Audiências fossem realizadas em auditório com no mínimo 1.000 (um mil) lugares.
Nunca é demais lembrar que, a bem da verdade jurídica, a realização de Audiência Pública sobre temas de Regulação Sanitária não é uma imposição legal, mas ato voluntário da ANVISA, e que no presente caso não a realizando por força judicial, desperdiça esforços, recursos, divulgação e mobilização de instituições e pessoas. Não seria de maneira nenhuma inconveniente solicitarem outra, e até mesmo outras Audiências, o que produziria o alcance do objetivo central que é ampliar a discussão e a participação sobre o tema.
A construção da democracia e o fortalecimento da participação social no processo regulatório em Vigilância Sanitária, e mesmo a compreensão do efetivo papel regulador do Estado Brasileiro, ainda são desafios enormes que precisam ser enfrentados e assumidos por todos nós, de forma constante e persistente, pois como diz um ditado japonês “numa jornada de 100 jardas, 99 é apenas a metade”.
Referências:
Lei 9.294/1996. Presidência da República. Acesso em 07/10/2011 e disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9294.htm
Lei Nº 9.782/1999. Presidência da República. Acesso em 07/10/2011 e disponível em: 
Anvisa realiza audiências públicas e propõe mais rigor no controle do Tabaco. ANVISA. Acesso em 07/10/2011 e disponível em:
Agravo de Instrumento nº 5014373-16.2011.404.0000/RS. ANVISA. Acesso em 07/10/2011 e disponível em:   http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/a66c168048959f8c87b8a7fa35813921/DEC+AGRAVO+ANVISA.pdf?MOD=AJPERES
[1] Médico, Mestre em Saúde Coletiva, Doutor em Ciências, é Professor da UFT-Universidade Federal do Tocantins e Diretor Adjunto da ANVISA – é um dos articuladores da REDE DS."