Ao estudar o direito sanitário sempre me chamou a atenção a questão relativa à competência do sentes federativos na área da saúde.
De acordo com a lógica jurídica "moderna", que não lida com políticas públicas nem com a "nova administração", tais competências deveriam estar estipuladas na Constituição e detalhadas na lei.
E não estão? Sim, estão. Tanto a Constituição de 1988 quanto a lei 8080/90 definem tais competências/responsabilidades. No entanto, o fazem de forma genérica. Tais previsões não são suficientes para a implementação do SUS.
Esse tema levanta vários pontos polêmicos. Tratei alguns em dois artigos que publiquei, um sobre a Descentralização do SUS e as Comissões Intergestores e o outro sobre neoconstitucionalismo e exigibilidade judicial do direito à saúde.
Enfim, o momento não é para apontar as várias polêmicas que envolvem questão tão complexa. É para indicar um texto publicado no Blog Direito Sanitário: saúde e cidadania , de autoria de Lenir Santos, que aborda uma questão polêmica, relativa ao princípio da solidariedade e a judicialização.Vale a pena ler na íntegra:
"September 30, 2011
De acordo com a lógica jurídica "moderna", que não lida com políticas públicas nem com a "nova administração", tais competências deveriam estar estipuladas na Constituição e detalhadas na lei.
E não estão? Sim, estão. Tanto a Constituição de 1988 quanto a lei 8080/90 definem tais competências/responsabilidades. No entanto, o fazem de forma genérica. Tais previsões não são suficientes para a implementação do SUS.
Esse tema levanta vários pontos polêmicos. Tratei alguns em dois artigos que publiquei, um sobre a Descentralização do SUS e as Comissões Intergestores e o outro sobre neoconstitucionalismo e exigibilidade judicial do direito à saúde.
Enfim, o momento não é para apontar as várias polêmicas que envolvem questão tão complexa. É para indicar um texto publicado no Blog Direito Sanitário: saúde e cidadania , de autoria de Lenir Santos, que aborda uma questão polêmica, relativa ao princípio da solidariedade e a judicialização.Vale a pena ler na íntegra:
"September 30, 2011
O princípio da solidariedade no SUS
O princípio da solidariedade de garantia do direito à saúde tem sido invocado todo o tempo pelo Poder Judiciário, tanto que na decisão do Ministro Gilmar Mendes, quando do acórdão no julgamento de ação judicial que ensejou a realização da audiência pública ocorrida no STF, propugnou por esta solidariedade.
Em quase todas as decisões do Poder Judiciário este princípio tem sido invocado.
O que significa este princípio e qual o seu fundamento? O princípio da solidariedade tem sido invocado para impor as mesmas responsabilidades em relação ao direito à saúde a todos os entes federativos, sem se considerar suas diferenças demográficas, econômicas, sociais, culturais. Nesse sentido, todos são iguais econômica e demograficamente falando na garantia do direito à saúde.
Não importa se um ente federativo tem apenas cinco mil habitantes e sua renda advém quase que totalmente do fundo de participação dos municípios. As responsabilidades imputadas a um município desse porte será sempre a mesma que se impõe à União ou ao Estado.
Nesse sentido, um município de cinco mil habitantes teria que arcar com as despesas de um transplante, o que poria em risco o seu orçamento da saúde para atendimento de sua população. Seria justa e equânime essa solidariedade? Seria o caso de um cidadão invocar o seu direito à educação e exigir que um município assuma as despesas com a sua universidade, independentemente de aquele município não ter ensino universitário? Seria obrigado a tê-lo?
O SUS é um sistema que deve garantir o direito à saúde a todos os cidadãos brasileiros. É um sistema de competências concorrentes e comuns. Contudo, a Constituição, em seu art. 30, VII, dispõe que ao município compete cuidar da saúde de seus munícipes com a colaboração técnico-financeira da União e do Estado, exatamente pela fragilidade econômica de, no mínimo, 70% deles.
Há, ainda, o disposto no art. 7º, II, da Lei 8080/90, que estabelece ser a integralidade da assistência à saúde um conjunto de ações e serviços individuais e coletivos que deve ser garantida no âmbito do sistema de saúde e não no âmbito de cada ente federativo. E o sistema de saúde é um sistema nacional abrangente de todas as ações e serviços de saúde dos entes federativos, organizados em rede de atenção à saúde, de forma regionalizada e hierarquizada quanto à sua complexidade de serviços.
A partir desses fundamentos há um SUS que deve ser organizado a partir da conjugação das ações e serviços de saúde de todos os entes federativos de uma região de saúde integrados em rede de atenção à saúde.
São esses fundamentos que impõem uma solidariedade ao sistema que não é a mesma solidariedade defendida pelo Poder Judiciário.
A solidariedade ínsita ao SUS é a que advém da hierarquização do nível de complexidade de serviços. Os serviços de saúde são organizados em níveis de complexidade crescentes numa rede regionalizada de atenção à saúde.
A solidariedade nasce na hierarquização dos serviços: entes federativos com maior população, organização de serviços e desenvolvimento econômico deverá, na rede de serviços, garantirem serviços ao cidadão referenciado por municípios de menor porte e riqueza.
É essa forma organizativa que garante equidade nas relações federativas. O ente com maior poder econômico deverá solidarizar-se como ente de menor poder econômico e garantir ao cidadão residente no território daquele ente serviços de maior complexidade ou densidade tecnológica diante da incapacidade econômico-financeira, da falta de escala e estrutura administrativa para a criação de serviços mais complexos.
A solidariedade deve se dar no sistema, na rede de atenção à saúde e não entre entes no sentido de todos terem, igualmente, de garantir os mesmos direitos a todo e qualquer cidadão.
A solidariedade se impõe ao ente de maior riqueza e densidade demográfica em relação ao ente de menor riqueza e população. E para garantir a equidade financeira, compete ao Estado e à União a transferência de recursos para o ente municipal que assume o papel de referência de serviços para munícipes que não são seus. Ou então, deve esses entes federativos – União e Estado – prestar ou financiar serviços de maior complexidade.
A solidariedade sanitária que perpassa o SUS se fundamenta no tratamento equânime entre os entes federativos na garantia do direito à saúde e não numa solidariedade que, por desconhecer o SUS e desconsiderar a sua forma organizativa, desestrutura um sistema fundado na solidariedade de hierarquia de complexidade de serviços.
[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
[2]Lenir Santos é a responsável pela concepção e elaboração do projeto do decreto para o Ministério da Saúde.
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